O Resgate do Velho Rapaz
O velho sentado na sua cadeira de balanço na velha casa da família de frente para o mar, pitando seu charuto, estava pensativo, olhando para o horizonte e para aquela imensidão de água, quando foi interrompido de suas lembranças pelo pequenino neto.
Logo começaram a conversar:
- Vovô, quantos anos você tem?
O velho, deu uma pequena risada,
pigarreou e respondeu:
- Ah meu neto, tenho muito mais
anos que todos os pássaros que você agora pode ver lá na praia.
- Nossa vovô, mas são muitos
pássaros lá. Então você deve ser bem velhinho né?
- Hehehe, sim meu neto, sou bem
velhinho, mas o mais importante, sou um velhinho feliz, pois tenho uma linda
família e lindos netos.
- Vovô?
- Sim meu anjo?
- Me conta uma história de quando
você era ainda um rapaz?
Surpreso, mas feliz com o
inusitado interesse de seu neto, após um novo pigarro, o velhinho começa:
Vou te contar uma história de quando
eu e meus irmãos, seus tios avôs, saímos em uma viagem, com um velho ônibus,
transformado em uma casinha rodante.
Eu e meus irmãos um dia
resolvemos comprar esse ônibus, que tinha o nome de Old Guy, o “velho rapaz”.
Era um antigo Mercedes, que um dia foi um ônibus de linha, quando então foi
transformado em uma casa sobre rodas. Quando o compramos ele já tinha 63 anos.
Eu fui o incumbido de olhá-lo, e
também eu que o encontrei na internet.
- Você sabe o que é internet?
Ah, sim vovô, era a forma que
vocês podiam se comunicar e pesquisar coisas na época, não é? Meu pai já me
explicou como era neste tempo.
- Isso mesmo!!!
- Pois então, eu pesquisando na
internet o encontrei. Eu era dos meus quatro irmãos o que morava mais próximo
do local e então fui olhá-lo, pois pelas fotografias parecia muito bem
conservado e com ótimo preço.
E realmente, ele estava lindo,
bem cuidado, e muito charmoso. Muito antigo já para a época.
Também por esses anos, todos os
veículos andavam somente rodando por terra, não como hoje que voam, ou andam
sobre trilhos de fibra ótica.
Pois bem, após esta visita, falei
com meus irmãos e resolvemos adquiri-lo.
Porém agora, o desafio era
resgatá-lo do local que estava.
Propusemos uma aventura diferente.
Que tal irmos todos os irmãos, juntos, buscá-lo e de lá aproveitar e visitar
uma feira de campismo que ocorria nestes dias, onde além de vermos outros
equipamentos, teríamos a experiencia com o Old Guy e mais do que isso a
oportunidade de convivermos entre irmãos.
Então nos encontramos lá na
cidade de Joinville. De lá rumamos a Campo Alegre no alto da linda serra Dona
Francisca em Santa Catarina onde estava o velho Guerreiro.
Foi emocionante para meus irmãos
vê-lo pela primeira vez.
Dedicamos o restante do dia a
apreendermos sobre ele, como funcionava, como pilotá-lo, sabendo também um
pouco mais da sua história, de sua jornada.
Foi um dia muito proveitoso, de
novas amizades e novos conhecimentos
No dia seguinte rumamos a cidade
de Pinhais, no estado vizinho do Paraná, onde ocorria a feira e o camping da
feira.
Muitos veículos estavam lá ou
chegando. Todos os tipos de campistas, e todos os tipos de veículos. Era um
encontro muito legal de gente que gostava deste estilo de vida. Claro que
também neste público, havia muitas diferenças de visão. Uns gostam de conforto,
outros já gostam de algo mais simples. Alguns conseguem ter casas rodantes de
dois andares, outros moram em kombi. Tem gente que viaja para conhecer lugares,
tem gente que não viaja. Tinha até uma galera que viajava para conhecer
cemitérios. Já pensou. Que negócio estranho né???
- É mesmo vovô. Muito estranho.
Era uma festa, um encontro de
iguais e de diferentes.
A feira também estava linda,
cheia de veículos, alguns diferentes, outros nem tanto.
Havia palestras de quem já deu a
volta ao mundo, ou de quem construiu uma casa rodante na sua viagem. Havia quem
viajou de carro pequeno e quem viajou de carro grande. Gente que encerrou seu
ciclo de trabalho e botou o pé na estrada e outros que simplesmente não queriam
viver aprisionados e presavam por total liberdade.
Eu e meus irmãos, fizemos
amizades, e até auxiliamos uma família que recém havia adquirido um trailer e
estavam bem confusos e atrapalhados com o equipamento.
Foi muito bom conviver com meus
irmãos, pois depois de muitos anos, após cada um seguir o seu caminho, formar
sua família, nunca mais conseguimos nos reunir para ficar tanto tempo juntos.
Todos já eram adultos e possuíam a sua própria família. Teu papai era ainda um
menino.
- Ah, que legal vovô. Meu papai
era muito sapeca?
He, he, he, era sim. Sapeca,
inteligente e um querido.
Mas nós, os irmãos desta jornada,
tínhamos cada um, um jeito e uma personalidade diferente, o que deixou a
experiência ainda mais interessante. Todos se respeitavam e todos tinham uma
admiração mútua.
Um era mais quieto e concentrado,
outro mais expansivo e comunicativo. Um mais habilidoso, outro mais atrapalhado,
um mais distraído, outro mais atento, um mais esquecido, outro mais antenado. Cada
um, com um tipo de conhecimento, mas todos ali, apreendendo sobre este novo
equipamento e apreendendo com esta diferente experiência. Estávamos novamente
fortalecendo nossa ligação de sangue.
No dia da nossa partida de
retorno para casa, logo pela manhã, adivinha.
- O que???? O que aconteceu
vovô???
- Escuta: Ao virar a chave do
Old, ele simplesmente não ligou. Não tinha jeito, o velho Old não queria dar
partida.
Havíamos, de forma involuntária,
gasto toda a bateria do veículo. Tentamos até carregá-la com a ajuda do vizinho.
Aquele mesmo sujeito que recebeu nossa ajuda, pois ele tinha uma grande
camionete e a ideia era conectar ambas baterias para dar a partida no velho
turrão Old. Porém as baterias e o motor do Old eram muito fortes para aquele
veículo.
No dia seguinte inicia nossa
jornada por novas baterias. Conseguimos encontrar um ótimo lugar e conseguimos resolver.
- Ufa vovô, que bom que terminou
bem né?
- Será meu neto??? Escuta o restante
da história, disse o avô, acalmando o menino:
Durante o dia ainda fizemos uma
última visitação a feira, nos despedimos dos novos amigos e voltamos ao Old
para enfim iniciarmos nosso percurso de volta para casa.
Quanto novamente ligamos o Motor
home, agora sim, tudo ok com as baterias, o motor estava fazendo um barulho
muito estranho.
O teu tio avô Guto então abre o
motor, que não sei se você sabe, era acessado por dentro do ônibus. Ao abrir a
tampa do motor, para o espanto e pavor de todos nós, jorrava óleo para todos os
lados. Constatamos ser óleo diesel. Na época os veículos eram movidos a
combustível fóssil, e ainda se usava gasolina e óleo diesel, não como hoje,
onde os veículos são movidos a energia elétrica e andam sobre trilhos de fibra
ótica.
No “Velho rapaz”, o motor muito
antigo não possuía nada de tecnologia eletrônica. Era ferro, óleo, fuligem e
graxa para todo o lado. Assim que vimos este óleo expirar, desligamos o motor.
E agora, o que faríamos? O que
era aquele vazamento? Onde estava? Como consertar? Quem poderia nos ajudar? Não
tínhamos conhecimento de mecânica. Mexer com mecânica dos motores mais antigos
estava sendo um conhecimento somente praticado por quem era mais antigo e havia
vivido esta realidade, pois já nesta época os motores em sua maioria eram
eletrônicos, ou seja, um scanner de diagnóstico de motores, já nos dizia qual o
problema.
Porém com o nosso “velho rapaz” não
era assim. Ele também era da velha guarda, e com ele seria na chave de boca, na
chave de fenda, no alicate, na graxa e na fumaça.
Você nem conhece essas
ferramentas meu neto. Tudo isso hoje você somente enxerga em museus.
- Ah vovô, me leva para conhecer.
Sorrindo o velho responde:
- Claro, vou te levar sim, mas escuta
o final da história, pois algo incrível aconteceu.
Após esta chuva de óleo, que como
te falei foi uma visão bem apavorante para todos nós, nos acalmamos e começamos
a procurar o problema.
Pensei: - Ahhh, se nosso velho
pai caminhoneiro estivesse aqui...
Ele sim conhecia tudo em relação
a estes motores. Logo saberia o que fazer. Quantas vezes o vi resolvendo estas
situações.
Ele não estava mais entre nós.
Ele havia partido alguns meses antes desta viagem.
De repente algo mágico e
inacreditável aconteceu.
O avô deu uma pausa, observou o neto
de olhos arregalados e ouvidos atentos, ansioso pela continuidade da história,
então continuou:
- Começamos a sentir algo, como
se alguém estivesse entre nós nos acompanhando e nos guiando, mas na verdade
não havia ninguém, além de nós quatro.
Descobrimos rapidamente o
problema: uma mangueira havia rompido, ao ficar em contato com uma parte quente
do motor.
Com aquela sensação de presença,
começamos a função de resolução desta dificuldade. Um afrouxava os parafusos
das braçadeiras, outro auxiliava, outro ligava para alguma loja. Logo alguns
foram atrás da peça, outros ficaram para terminar a retirada da mangueira
rompida. Tudo muito bem sincronizado e com resolutividade em um lindo trabalho
de equipe.
Isso que ninguém ali era mecânico
ou sequer havia algum dia mexido em um motor como esse ou enfrentado alguma
situação parecida.
Mas conseguimos finalmente substituir
as mangueiras, e em seguida novamente ligar o velho Old.
Estávamos muito felizes e
realizados, pois foi uma vitória para todos nós conseguirmos superar este
perrengue.
Então terminamos novamente de
deixar tudo em ordem e quando iríamos partir, eu percebi no canto do meu olho
alguém sentado ao meu lado...
- Quem era vovô????
Acredite ou não, meu querido neto,
Era nosso pai, que estava ali em
espírito, com aparência jovem e saudável, era o nosso pai da nossa infância, o
pai das nossas melhores memórias.
Ele estava sorrindo orgulhoso,
feliz de nos ver juntos.
Orgulhoso de trabalharmos juntos.
Orgulhoso de termos conseguido
superar este desafio.
Nosso pai, seu bisavô, abriu um
largo sorriso, acenou com sua mão e disse:
- Eu amo todos vocês.
Para em seguida ficar novamente
invisível.
Olhamos todos um para o outro,
sabendo que nada precisava ser dito.
A viagem seguiu leve, em paz, com
um sentimento diferente e com um calor de aconchego em nossos corações.
Sabíamos que ele estava ali ao
nosso lado em toda a viagem.
Estávamos felizes e realizados.
O Old Guy chegou em segurança ao
seu destino, todos voltamos para nossas famílias e muitas alegrias “o velho
rapaz” nos trouxe nos anos seguintes.
Nunca mais nos esquecemos deste
encontro, de irmãos, de memórias, e de nosso pai.
O neto, após alguns bons segundos
de silêncio, processando a história, exclama:
- Nossa vovô!!!! Que história incrível!!!
- Por favor me conta mais
histórias de quando você era mais novo.
O Avô, sorrindo afável, e com um
amor que não cabia no peito ao olhar para o pequeno descendente, diz:
- Claro, meu querido neto, eu
conto sempre que você quiser.
Neste momento, o velho avô, pisca
seu olhinho já pequeno e inchado pelos anos, olhando sob os ombros do seu neto,
o pequeno Arlindo.
O neto percebe esta piscadela,
olha para trás e não vê nada, mas logo consegue compreender, que seu avô
naquele momento acenava com seus olhinhos cumplices, para seu velho pai.
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